Esaú e Jacó (2)
Ao chegar do campo, cansado e faminto, Esaú pediu que Jacó lhe desse um pouco do guisado de lentilhas. Porém, não seria de graça. O irmão lhe propôs então, que o prato fosse trocado pelo direito da primogenitura.
Quantas propostas temos recebido em nossas vidas? Algumas delas são tentações perniciosas.
Estava aberta uma rápida negociação. “Vende-me”, disse Jacó (Gn 25.31). Uma transação comercial estava prestes a acontecer, seguida de uma refeição. Em princípio, comércio não é pecado, a não ser que estejamos vendendo o que não pode ser vendido. Era esse o caso. Nossas bênçãos, mesmo as futuras, nossos direitos espirituais, nossa posição de filhos e o compromisso com Deus são inegociáveis. Seja qual for a oferta, precisamos ter a ousadia de dizer “não” àqueles que nos assediam.
Comer lentilhas não é pecado, mas, naquele caso, tornou-se, em função da renúncia ao direito de primogenitura. Esaú poderia comer lentilhas mais tarde, ou em outro dia, mas não soube esperar. Assim também, o mundo nos propõe satisfações naturais para os nossos desejos e necessidades. Porém, não é o tempo certo. O modo está errado e o preço é injusto.
Muitos abrem mão dos valores cristãos em troca de um emprego, uma promoção, um namoro, um casamento, ou apenas por alguns momentos de prazer. As necessidades podem ser legítimas, mas isso não significa que devam ser atendidas a qualquer custo ou de qualquer maneira.
Em toda transação comercial justa, existe a troca de coisas com valores equivalentes. No caso de Esaú e Jacó, os valores eram absolutamente discrepantes.
Quais são os nossos valores? O que é mais importante para nós?
As coisas materiais, visíveis, terrenas, presentes, imediatas e temporárias são, geralmente, mais valorizadas do que as espirituais, invisíveis, celestiais, futuras e eternas. Trata-se de uma grave distorção que o inimigo sabe aproveitar muito bem.
Todo semeador renuncia à sua semente no presente para ter uma grande colheita no futuro. É uma questão de visão estratégica. Quem só enxerga o aqui e o agora come todas as sementes, anulando as possibilidades de multiplicação.
Esaú desvalorizou sua bênção futura, vendendo-a por um prato de lentilhas (Gn 25.33-34).
Esaú não poderia ter o prato de lentilhas e a primogenitura ao mesmo tempo. Não é possível ter tudo, fazer tudo, aproveitar-se de tudo ao mesmo tempo. Como disse Jesus: “ninguém pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e a Mamom” (Mt.6.24). É preciso escolher.
Diante da proposta de Jacó, Esaú tomou sua decisão, fez sua escolha, manifestando seu caráter e sua vontade. Deus não interferiu, nem antes nem depois. No pleno exercício do livre-arbítrio, os homens determinam seu destino. Depois, reclamam de Deus e da sorte.
Decisões rápidas e aparentemente simples podem mudar o rumo da história pessoal e familiar. Foi o que aconteceu.
A força foi vencida pela astúcia. Esaú, que era um vencedor no campo (vida profissional), foi derrotado em casa (vida familiar). Ele, que vencia os animais, foi derrotado por uma refeição vegetal.
Tendo concordado em ceder sua primogenitura, Esaú recebeu o prato de lentilhas. A refeição foi imediata, mas o pagamento não aconteceria naquele instante. (É o tipo de ilusão que envolve as modernas operações com cartão de crédito. Não sendo imediato o desembolso, tem-se a ilusão de que não há pagamento, o que pode tornar-se motivação para o gasto excessivo).
Muitos pecados também não são cobrados imediatamente (Ec 8.11). Por isso, tem-se a sensação de impunidade, o que leva à reincidência, mas está avisado: “Tudo que o homem semear, isto também ceifará” (Gl 6.7).
Acabada a refeição, Esaú levantou-se e saiu, seguindo o seu caminho (Gn 25.34). Tudo parecia normal. Sua rotina continuaria inalterada. Afinal, seu pecado não trouxe consequências imediatas. Continuando a leitura bíblica, percebemos que o capítulo 26 de Gênesis trata de outros assuntos. Depois de muitos anos, conforme deduzimos de Gn 27.1, é que o acerto de contas aconteceu.
As consequências do pecado podem demorar, mas serão inevitáveis, implacáveis, fortes, dolorosas, duradouras e, talvez, eternas. No caso de Esaú não houve remédio, nem arrependimento, nem perdão.
A rápida refeição trouxe satisfação provisória, como tudo que o pecado proporciona, mas uma marca permanente. Esaú passou a se chamar “Edom”, que significa “vermelho”, em referência à cor do guisado de lentilhas. O mesmo nome seria usado depois para identificar o povo descendente de Esaú. Por meio daquele ato individual e egoísta, seus filhos e toda a sua descendência foram prejudicados. O pecado funciona assim.
Esaú, mesmo depois de fazer o acordo verbal com Jacó, ainda pretendia receber a bênção paterna, mesmo porque Isaque não sabia do negócio realizado entre os irmãos. Sendo o filho predileto do pai, Esaú estava convicto de que a venda da primogenitura não seria levada em conta por Isaque.
Seu raciocínio estava correto, mas ele não contava com a astúcia do irmão, que foi ajudado pela mãe, com a permissão de Deus.
Esaú sempre agradou ao seu pai, mas desagradava ao Senhor. Não podemos viver confiados nas recompensas humanas supostamente garantidas por meio de agrados pessoais.
Jacó chegou primeiro e recebeu a bênção da primogenitura. Quando Esaú veio do campo, e descobriu que Jacó tinha sido abençoado em seu lugar, desesperou-se. Diante de sua reação, Isaque lhe disse: “Que farei por ti, agora, meu filho?” (Gn 27.37). Nada poderia ser feito. Algumas vezes, queremos ajudar as pessoas a se livrarem de tantas situações terríveis, mas nem sempre conseguimos. Sentimo-nos incapazes, mas a questão é que não podemos impedir que colham o mal que semearam.
Era tarde demais para voltar atrás. A bênção perdida não podia ser recuperada. Não podemos nos iludir com a idéia de que sempre haverá uma nova chance. No caso de Esaú, não houve. É verdade que as nossas vidas envolvem muitas situações diferentes daquela. Entretanto, precisamos estar atentos para a possibilidade de cairmos em semelhante experiência. É o que se conclui do que foi dito aos Hebreus do Novo Testamento:
“Ninguém seja devasso, ou profano como Esaú, que por uma simples refeição vendeu o seu direito de primogenitura. Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado; porque não achou lugar de arrependimento, ainda que com lágrimas o buscou.” (Hb12.16-17).
O que é perdido nem sempre será recuperado. O que é vendido, ou voluntariamente renunciado, dificilmente será retomado. Em alguns casos, será impossível, ainda que se peça restituição.
Estamos acostumados a enfatizar o amor e a misericórdia de Deus, mas não podemos nos esquecer da sua justiça. Precisamos valorizar nossa posição diante de Deus, não deixando que nada venha nos tirar dela.
Não podemos trocar nossos valores espirituais pelas coisas do mundo, imaginando que um dia possamos recuperá-los. Esaú não conseguiu.
Creio que o grande problema daquele filho foi não ter procurado o pai para colocá-lo a par da situação e consertar tudo em tempo hábil. Deixou o mal em segredo até o dia do pronunciamento da bênção. Era tarde demais para ele. Seja qual for a sua situação, fale hoje mesmo com o Pai celestial. Não deixe para o dia do juízo, pois será muito tarde.
“Buscai ao Senhor enquanto se pode achar. Invocai-o enquanto está perto.” (Is 55.6).
::Por Anísio Renato de Andrade
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